domingo, 26 de julho de 2020

BUGRES





 Entre os rios “Tramandy” e “Araringuá” havia uma região litorânea, muito antiga e com um clima diferenciado. Era o território dos bugres. Um caminho milenar que eles fizeram, andando e calcando a terra, ao caminhar. Este “caminho território” era muito estreito e costeado a leste pelo mar e ao oeste por um imenso charco, dunas gigantescas e uma enorme floresta. Havia também muitos lagos, quase interligados como um imenso rosário que se confundiam com o charco e escoriam para o mar. Dentro deste universo, no seu ponto médio, havia um sub território: O Sítio de Itapebá _ um grande paraíso. Nele havia, ao sul, uma pedra chata. Nesta região se situava o Campo Santo. A Pedra Chata era excelente lugar para pousar e repousar. Havia caça, peixe, lenha e água boa. Ao norte havia o rio “Mampitubá” que, naquela época, dava vau com facilidade e tinha abundância de tainhas no outono-inverno, e de bagres na primavera-verão. Em um ponto médio, entre a Pedra Chata e o rio Mampitubá, existia as torres, e entre elas as pequenas praias que era parte do real caminho que os bugres trilhavam de norte a sul e de sul a norte em busca do clima mais ameno. No inverno deviam ir para o norte e no verão para o sul. No meio do caminho desse Grande Paraíso, na Torre do Norte, havia o Pequeno Paraíso. Muito marisco, muito peixe, muita lenha e vertentes de água boa em grande quantidade. Existia, também, um pequeno lago natural de água doce muito próximo do mar. Entre o Pequeno Lago e o mar e paralelo a eles tinha um serro que protegia esse paraíso do ar úmido e salgado soprado, do oceano, pelos ventos dominantes. Ao sudoeste uma mata que continha as dunas ali acumuladas há séculos, talvez milênios e dava proteção, no inverno, do friento minuano. Neste local é onde deviam ficar mais tempo porque era lugar onde havia proteção contra os ventos dominantes, úmidos e salgados soprados do oceano, e ainda melhor que a Pedra Chata para pousar e repousar. Este lugar dentro da região “paradisíaca” era realmente o Pequeno Paraíso. Aqui eles ficavam mais tempo e neste lugar era onde amavam muito e amavam de verdade. Porém, um dia, seres brancos, barbudos e fedorentos, chegaram e, em nome de seu rei e seu deus assassinado por eles mesmos, os destruíram para sempre. Os bugres deixaram apenas seus rastros através de seus sambaquis e seus mortos que, agora, infelizmente também já desapareceram. E assim para os bugres terminaram os caminhos e os dias. A partir de então este território litorâneo e milenar, por muito tempo, passou a ser uma terra sem dono, uma terra de ninguém. Uma terra Lendária.

Adaptado do Livro: Vale do Mampituba __ Bento Barcelos da Silva

O FORTIM DAS TORRES






O FORTIM DAS TORRES
               
                                   

No ano de 1777, no sítio de “Itapebá (Itapeva), nasceu, nos meados da Torre Norte, um frágil forte. Os portugueses o construíram aos vinte metros de altitude e voltado para o mar. Era feito de faxinas, terra batida e leivas de grama em torno de uma vala. A região, naqueles tempos, fazia parte das “Terras de Ninguém” (os bugres já não existiam mais). Nos arredores tudo era muito úmido, insalubre e habitado por feras e mosquitos. Ao sul existia uma pedra chata que se alongava por entre dunas e matas, e vinha se banhar no oceano. Ao norte tinha o rio com suas muitas curvas que vagaroso corria para o mar. Lá longe no oeste serpenteava a serra, chata e azul. Ao leste o mar soberano que, lá muito distante, tocava no céu. Depois, para o norte e para o sul, praias desertas e sem fim açoitadas pelos ventos e pelos urros das ondas.  A redondeza era formada por dunas enormes, um charco imenso que continha e se confundia com o pequeno lago que conhecemos hoje (lagoa das torres). Este lago, naquele tempo, era muito maior e tangenciava os meados da Torre Norte pela sua face oeste e, a leste, a Torre Norte tangenciava com o mar. Entre o charco e as dunas havia uma floresta que os separava. O fortim foi construído para combater um inimigo que devia vir do norte, porém, nunca veio: os espanhóis. Eles tinham ocupado a freguesia de Nossa Senhora do Desterro na ilha de Santa Catarina. São Diogo foi o nome dado ao fortim. Na verdade era, apenas, uma grande trincheira. Chegou a possuir quatro canhões, porém foi ocupado por pouco tempo e depois abandonado. Como era muito frágil, rapidamente se transformou em ruínas. Em 1797 foi reconstruído e comandado por um tenente sem nome para a história. Estava equipado com dois canhões. Novamente foi rapidamente abandonado e outra vez virou pó. Em 1801, quando o alferes pioneiro da “Villa” por aqui aportou, talvez tentasse, outra vez, reconstruí-lo, mas as informações são muito vagas. Depois em 1809 novamente foi reconstruído por ordens do agora presidente da província de São Pedro do Rio Grande com a tentativa de fundar um núcleo urbano com índios e prisioneiros. Porém esta tentativa não deu certo e o fortim, outra vez, decaiu. Na segunda década do século dezenove, com a chegada do nosso primeiro administrador, ele é novamente reconstruído e apelidado de Baluarte Ipiranga. Estava equipado com dois enormes canhões que apontavam para o mar. Nesse período a Capela estava em construção. Entre a capela e o fortim passava uma trilha milenar, ­ o antigo e verdadeiro caminho dos bugres. O fortim durou até o período da Guerra dos Farrapos e depois pela última vez.  Do pó ele veio e para o pó retornou. Virou Lenda.

Adaptado do Livro: Vale do Mampituba __ Bento Barcelos da Silva

PRAGA DO PADRE E PORTO DAS TORRES







PRAGA DO PADRE E PORTO DAS TORRES


               
Durante o primeiro império surgiu no “Sítio das Torres” uma ideia portuária porque aqui era o melhor e mais estratégico lugar no país para construção de um grande porto marítimo. Mas, felizmente, para proteção das nossas belezas naturais, tal ideia não vingou. Depois, no segundo império, esta ideia voltou forte, com projeto e estudo das marés, porém, felizmente, outra vez, o porto da “Capela de São Domingos das Torres” também não vingou. Mais tarde, na república, que já nasceu velha, a ideia, de novo, tomou corpo e forma, com novo projeto, levantamento topográfico e estudos de profundidade da costa litorânea. Houve até o início das obras de um porto auxiliar na praia da Guarita. Contudo, o porto da “freguesia de São Domingos das Torres”, mais uma vez, não vingou. Na Nova República, com muita discussão política e promessas de desenvolvimento para a região, a ideia do porto marítimo para a “Villa das Torres” evoluiu muito, todavia, depois, mais uma vez morreu. Tio Sam e a Rainha o levaram para Rio Grande. Lugar impróprio para um porto marítimo e eles sabiam disso. Na segunda década do século passado tinha na “Villa das Torres” um pároco que estava afrente do seu tempo. Costumava, ele, nas horas vagas, frequentar um terreiro onde os pobres nativos faziam seus batuques. Por este motivo a “dita elite economicamente dominante e conservadora” não concordou com essa atitude do padre e reclamou para o bispo. Falam por aí que o bispo determinou para castigarem o padre com uma “tunda de laço” e acrescentou:  Depois eu mando outro padre para vocês. O pároco foi expulso da paróquia. Todavia, ao ir embora teria dito: “Nunca vi, em todo o mundo, uma classe dominante tão atrasada”. Com o passar do tempo o folclore modificou as palavras do padre que ficou assim: Torres tu és (atrasada) e de Torres não passarás, e o porto não há de sair. Esse dizeres ficou conhecido como a Praga do Padre. E o padre, quando foi embora, não se benzeu, mas disse apenas: Saravá! Diz o dito popular que praga de padre dura cem anos. E a voz do povo (Vox Populi) é a palavra de Deus, portanto, a verdade. Contudo os cem anos estão passando e em breve a praga estará com sua validade vencida. Talvez por isso, como uma maldição surgida do fundo do mar, a ideia do porto da cidade de Torres voltou. Temos, de novo e urgente, que chamar um padre, mas não um padreco qualquer, moderno e metido a namorador, porém um padre à moda antiga. Um verdadeiro capa preta que esteja à frente do seu tempo e seja um macumbeiro de verdade para que o porto das Torres vire uma Lenda.  Saravá, Meu Pai!

Adaptado do Livro: Torres História em Crônicas __ Bento Barcelos da Silva

A ESCRAVA QUE FOI PRINCESA


A QUE FOI PRICESA





A ESCRAVA QUE FOI PRINCESA

Nydangy nasceu na África em 1825. Era uma princesa negra, filha mais velha de Yabá-Yeyê e ia suceder sua mãe no reinado matriarcal de sua pequena tribo da grande nação Nagô. Porém, ela foi sequestrada por outros negros e vendida para traficantes brancos. Ficou separada da rainha, sua mãe e de seu futuro pequeno reino. Veio parar no mercado de escravos da grande Porto Alegre. No ano de 1847, quando estava com vinte e dois anos, tornou-se propriedade do pastor imigrante alemão Adolfo Leopoldo Voges, líder político e espiritual da colônia protestante dos Três Forquilhas. Com seus senhores aprendeu o idioma alemão fluentemente e depois junto com eles o português. Lia, falava e escrevia corretamente nesses dois idiomas. Conservou ainda o yorubá, sua língua nativa, mantendo assim viva a cultura da sua gente em uma terra estrangeira. Tinha um terreiro, no pátio do engenho do pastor, onde fazia seus batuques frequentado por negros e brancos. Foi parteira, curandeira e uma espécie de sacerdotisa. Fazia também rezas e benzeduras, e cuidava com carinho de todos os doentes, pretos ou brancos. Receitava chás e xaropes que ela mesma preparava com folhas e flores silvestres. Fabricava afrodisíacos feitos com ovos de pássaro, mel de abelha e raízes medicinais. Era também excelente cozinheira e doceira. Ficou conhecida como Iyá Maria e Mãe Maria. Nydangy morreu em 1894 no Vale Três Forquilhas, aos sessenta e nove anos, vitimada por cólera que dizimou a região. A escrava que foi princesa viveu na nossa terra e agora é Lenda para nossa gente.   
Adaptado do Livro: Vale do Mampituba  __ Bento Barcelos da Silva

AS PUTAS DE TAQUAREMBÓ






AS PUTAS DE TAQUAREMBÓ




Na virada da segunda para terceira década do século dezenove, chega ao distrito das Torres uma leva de índios guaranis prisioneiros de guerras e também alguns presos sentenciados. “As mulheres, como disse o poeta, traziam filhos e algemas nos braços e na alma lágrimas e fel”. Os homens vieram para construir a Capela, o fortim e estradas pelo interior. Alguns deles foram feitos soldados das Milícias Sertanejas com a finalidade de caçar os bugres. A maioria, no entanto, continuou prisioneiros. Saint-Hilaire, o naturalista francês, que os encontrou pelo caminho, quando por aqui passou, em direção ao sul, disse: “As mulheres são feias e desavergonhadas”. Se este escriba bem entendeu, eram mulheres sofridas e que tinham em oferta as suas vergonhas. Eram as chinas, as putas de Taquarembó. Mas porquê Taquarembó e porquê foram consideradas chinas? Taquarembó era um rio no atual Uruguai, nas margens do qual elas foram feitas prisioneiras, e putas por tanto terem sido estupradas pelos ditos cristãos. O grande observador da natureza viu que elas traziam filhos e algemas nos braços, mas não prestou atenção que essas mulheres também podiam chorar. Elas vieram para se casar com os milicianos e presidiários na tentativa das autoridades de formar um núcleo urbano no Sítio das Torres. Essa tentativa, porém, não deu certo, porque para os filhos da terra, não tinha terra. A região naquele tempo já era um verdadeiro latifúndio e os milicianos na maioria desertaram e os prisioneiros, ou fugiram, ou morreram na tentativa de fuga. Como consequência as bugras não casaram. Para elas, portanto, só restou “putiar”. Nossas primeiras mães, segundo RRRuschel. Agora elas são da nossa terra Lenda para nossa gente

Antônio Frederico de Castro Alves _ Navio Negreiro

Adaptado do Livro: Vale do Mampituba __ Bento Barcelos da Silva

Caingangues e os estrangeiros

CAINGANGUES E OS ESTRANGEIROS




Eu sou o índio Manoel dos Santos _ “Índio Guarani Missioneiro” _ e vou contar o que sei: Quando os primeiros imigrantes alemães protestantes chegaram ao Vale dos Três Forquilhas_, "Uma choupana estava lá com aparência vistosa". Era o Templo Sagrado. Havia outras cabanas. Foram construídas pelos índios caingangues, vindos da aldeia dos Três Pinheiros e requisitados para esta tarefa de apoio aos colonos. Assim nasceu a colônia dos alemães protestantes de São Pedro de Alcântara dos Três Forquilhas no Presídio das Torres. "Foi o índio guarani missioneiro Estebam dos Santos que conseguiu reunir quase duas dezenas de índios caingangues liderados pelo cacique Aivoporã". No começo, os selvagens, um povo dócil são uma força de apoio muito grande. Estebam “Missioneiro” era amigo do cacique Aivoporã. Eles se conheceram bem antes da chegada dos estrangeiros. Eu sou filho de Estebam “Missioneiro”. Meu pai foi prisioneiro de guerra e veio para o Sítio das Torres com outros prisioneiros para construir o Baluarte Ipiranga e a Capela. Ele e os outros prisioneiros de guerra falavam o guarani e o espanhol, e depois aprenderam o português. Eu também conheci Aivoporã _ Cacique dos Caingangues. Naquele tempo eu era guri pequeno. Eles, os caingangues, sempre moraram aqui e dominavam todo esse vale _ Vale dos Três Pinheiros. Os colonos chegaram depois, muito tempo depois. Foi Estebam “Missioneiro”, meu pai, que recebeu a tarefa do coronel de buscar o cacique e seus guerreiros para ajudar os alemães a construir suas choupanas. E eles, os caingangues, construíram a “Choupana Templo” e outas mais para os estrangeiros, e também permitiram a divisão de suas terras. Porém, agora não existe mais bugres em Três Pinheiros. Eles lá moraram até o ano de 1847 e eram índios caingangues. Os bugres ficaram cruzando pelos fundos das propriedades dos Alemães. _ As mulheres com os filhos pendurados nas tetas e as vergonhas à mostra; os homens com arco, flechas e até facões, e os “balangandãs” balançando ingenuamente. Ali sempre fora o caminho deles. Porém, agora, os alemães começaram a criar obstáculos. Não queriam que os gentios passassem por suas propriedades. Surgiu um mal-estar. Tinham medo. Os imigrantes vendo os índios andando nus, dentro de suas propriedades, não saiam mais de casa sem levar uma espingarda a tiracolo. Sentindo-se ameaçados só restou para os gentios se mudarem para mais longe e foram subindo a serra. Um dia um sesmeiro luso brasileiro com um papel na mão, uma bíblia debaixo do braço, muitos capangas fortemente armados e cães bravios, veio para tomar posse da terra dos caingangues, a aldeia dos Três Pinheiros. Fez uma chacina no local onde morreram o cacique Aivoporã e muitos dos seus valentes guerreiros. Seus corpos foram jogados em um perau. Os que sobraram continuaram subindo a serra, indo morar cada vez mais longe e mais no alto. Um dia desapareceram para sempre. Foram em direção aos felizes campos de caça, na Terra dos Espíritos. Eu casei com Madalena Menger e aprendi o alemão e contei esta história para ser uma Lenda.

Adaptado do Livro: Vale do Mampituba __ Bento Barcelos da Silva

ALEMÃES CATÓLICOS E O FRAMCÊS





ALEMÃES CATÓLICOS E O FRANCÊS




Quase dois anos após a chegada dos imigrantes alemães, os colonos católicos romanos, são jogados na região do Rio Verde nuns baixios. Havia entre eles quatro franceses solteiros, agitadores e de origem desconhecida. Os colonos, “jogados”, são pegos por uma enchente e se revoltam. Um de seus principais líderes é um indivíduo danação francesa, de origem desconhecida, agitador e solteiro, de nome Louis. Era empregado da polícia do Presídio _ as Milícias Sertanejas _ cuja finalidade era caçar os bugres. Os colonos revoltosos vão em direção aos morros mais ao sul, entre as lagoas do Morro do Forno e do Jacaré. Terras requeridas e cobiçadas pelo comandante geral do Presídio de São Domingos das Torres, onde o mesmo já tinha um engenho com escravos que produzia cachaça. Temos aí, talvez, o primeiro movimento de colonos invadindo terras na região. Na verdade a maioria, mesmo assim, não ficou satisfeita com as terras invadidas e reclamam. Contudo, a autoridade maior, na capital, disse apenas: “Ou vocês ficam onde estão, ou voltem a pé para o outro lado do mar”. Uns fugiram, outros foram presos, mas a maioria ficou por falta de alternativa. Assim nasceu a Colônia dos Alemães Católicos de São Pedro de Alcântara no Presídio de São Domingos das Torres. Entre os colonos um indivíduo francês de nome Marie, solteiro, de origem desconhecida e agitador, resolve escrever uma carta para o comandante militar na capital da província e a confia a um alto oficial em passagem pelo Presídio. O francês é traído pelo oficial que entrega a carta ao comandante do Presídio. Este o manda prender e o envia escoltado para Porto Alegre. A escolta leva também uma carta que diz: “Mando preso o colono, solteiro e agitador, Bouldier, da nação francesa, empregado na polícia desta colônia, porque é instrumento que os outros se tem valido para fazer requerimentos em língua”. Pateticamente está escrito na carta: "Que tal Vossa Exc.ª mandar esta praga para o exército ('guerra'), só assim nos livraremos desta peste". "Nós, em, senhor governador"?! Tudo é muito estranho. Há quem diga tratar-se de uma queima de arquivo. Mas por que queimar este arquivo?! Nunca mais se ouviu falar em Louis Marie Bouldier, empregado na polícia da colônia, agitador e solteiro, da nação francesa, e de origem desconhecida, que escrevia cartas em língua e estava infiltrado entre os alemães católicos, Era um de seus principais líderes. Há quem diga que o francês costumava ficar ao lado dos mais fracos e, incerta fonte diz: “Parece que queriam transformar os colonos em escravos”. Deve ser engano, todavia... Os outros franceses não deixaram rastros para a história. Louis Marie Bouldier tornou-se um mártir e a sua história uma Lenda.

Adaptado do Livro Vale do Mampituba: __ Bento Barcelos da Silva

BAIANO DO CEARÁ





BAIANO DO CEARÁ


Cândido acreditava ser desertor da Guerra do Paraguai e junto com quatro parentes abandona o campo de batalha. Tonho, Pedro, José e João são os seus companheiros. Veio parar no Vale dos Três Forquilhas e tornou-se homem de confiança do líder religioso e do líder político da colônia alemão protestante. Atuou na área de segurança pública local e foi um líder maragato muito respeitado pelos homens e amado pelas mulheres. Era cearense, mas foi apelidado de baiano _ Baiano Candinho. Porém, foi marcado para morrer por ser oposição ao governo. Iluminado pela luz mortiça de uma pixirica, diz a Lenda: “Lá no sertão do distante e seco Ceará, quando a parteira levantou a criança nos braços, magros e fortes, para dizer que era um menino, a velha e enrugada feiticeira que acompanhava o ritual, colocou em seu pescoço, amarrado por um barbante, um patuá e proferiu as seguintes palavras: Será um homem muito corajoso e valente, e frente a frente ninguém terá coragem de enfrenta-lo. Para vencê-lo (prender, ou matar) só se fizer traição muito bem feita”. Depois, com o tempo, diziam que o patuá, envolto por um escapulário sebento, o protegia da morte. Mas a traição foi bem feita, pois, na Noite dos Reis, um bando de assassinos se misturou com os homens das cantorias e quando Candinho Baiano esticou o braço, para entregar a oferenda ao Menino, as mãos fortes e assassinas de João Macaco o seguraram, enquanto a mão preta e veloz de Negro Custódio, na noite escura como um relâmpago sem luz, levou uma faca afiada contra a garganta de Candinho Baiano. Ele foi vilmente degolado em tempos de paz. Guedes Francês foi rápido ao se agachar e levantar a cabeça, sem vida, daquele corpo ensanguentado, coberto de orvalho, naquela Noite Sagrada. E daquele cadáver, esparramado no chão, cortou o cordão e retirou o patuá para que Candinho Baiano realmente permanecesse sem vida. Agentes do governo usaram o nome de Deus para matá-lo. Feriram o sagrado. Um vidente cantor viu Candinho Baiano subindo ao céu junto com o Menino que segurava sua mão enquanto ascendiam. Os outros baianos também morreram assassinados. Vinganças de guerra em tempo de paz. Lenda para nossa gente.
Adaptado do Livro: Vale do Mampituba __ Bento Barcelos da silva

A BUGRA DELORE







A BUGRA DELORE


Abela Delore era uma índia da “Nação Guarani”, que, com Pepito seu pequeno irmão, procurava, numa noite escura e triste do Paraguai, seu pai e irmãos entre os mortos na Batalha do Avaí, durante a Grande Guerra. E eles estavam lá e, lá, eles estavam mortos. Petrificada e muda fica ali, debaixo das estrelas, sentindo na boca o gosto amargo de suas lágrimas salgadas. Embaixo de seus pés havia "mil" cadáveres. Parecia estar em outro mundo. Um mundo amargo, destruído pela insanidade humana. De repente, outra vez, a outra amarga realidade do amargo mundo real. Entre os mortos, que eram muitos, um resmungo. Aproxima-se e vê um cão lambendo um soldado brasileiro. O soldado era um “brummer”, resmungando em alemão. Ele estava gravemente ferido por uma lança paraguaia que o varou, mas ainda respira, geme e resmunga. O nome do soldado é Carlos Daniel Gross, de Três Forquilhas (no futuro, ficará conhecido como, “Paraguaio Gross”). O soldado e Valente, o seu cachorro, são tratados por Abela Delore e Pepito por alguns dias e depois entregues para o exército brasileiro. Tempos após, Paraguaio Gross chega a Três Forquilhas montado em Hidalgo e na garupa Abela Delore, a índia paraguaia. Mais atrás a égua Milonga com os "trens" e Valente, o cachorro veterano de guerras com suas muitas cicatrizes. Pepito que os acompanhava, sentindo saudades de sua terra, voltou do meio do caminho. O vencedor da guerra diz que sua vida pertence à Delore que o salvou e com ela se casa. O casamento é uma grande festa na colônia. Pedro Baiano é seu cunhado e Candinho Baiano seu capataz. Mas Paraguaio Gross quando volta da guerra, volta doente e vive pouco, deixando Abela Delore e seus filhinhos pequenos. Ela, a viúva, depois da morte do marido, adquire a doença dos nervos. Doa os filhinhos para os parentes de Daniel e de cima de um serro fica a mirar o horizonte. Sente saudades de sua terra, sua gente e de Pepito, seu irmão pequeno. E numa terra estrangeira ela chora, enlouquece e também morre cedo. Agora sua história é contada como Lenda para nunca mais ser esquecida.

Adaptado do Livro: Vale do Mampituba __ Bento Barcelos da Silva

O HOMEM SECO DA IGREJA MATRIZ






O HOMEM SECO DA IGREJA MATRIZ 


José Rodrigues da Silva (1832_1896) simpatizante maragato, neto do alferes pioneiro-povoador da Villa, filho do construtor da capela de São Domingos das Torres e pai de guerrilheiros tem história que não foi contada. Tornou-se um vulto apagado. Grande proprietário de terras na região, Juiz de Paz em Araranguá, mesário de eleições em São Domingos das Torres. Era um homem que estava acamado e doente, quando, no escaldante verão de 1896, foi preso nos costões da serra, altos do Vale do Mampituba, na localidade do Espigão de Barro, por homens do governo. Seu crime foi ter enterrado um companheiro que jazia insepulto há dias e tendo seu corpo já em decomposição, e em parte devorado pelas feras. Era para servir de escarmento. José foi trazido para a Villa de São Domingos das Torres com requintes de crueldade. Por trinta quilômetros veio caminhando com os pés descalços e escoltado por homens montados. Tinha as mãos amarradas e atadas, por pequena corda, à cela do cavalo de um de seus algozes. Quando chegou na Villa foi estaqueado e depois degolado. Teve seu corpo abandonado insepulto para que as feras e aves de rapina o devorassem. Era também para servir de escarmento. Porém, na calada da noite, os amigos enrolaram aquele corpo sem vida em um couro de boi salgado e o costuraram. Depois o enterraram nas dunas da Praia da Cal entre a Lagoa da Villa e a Torre Norte. Um ano e meio após as dunas em movimento, que ameaçavam soterrar o pequeno vilarejo de uma só rua, descobrem o couro com os restos mortais de José e cunhou-se a ideia que a terra não o aceitou no seu ventre e ele secou. Segundo o folclore, o corpo seco de José foi emparedado entre as grossas paredes da Igreja Matriz. Virou lenda. Os filhos guerrilheiros fizeram uma revolta local, para vingar a morte do pai, esticando a guerra federalista na região do Vale do Mampituba por mais dois longos anos.

Adaptado do Livro:Vale do Mampituba __ Bento Barcelos da Silva

LIVRE PARA CASAR





LIVRE PARA CASAR          



Paulino Pereira da Silva veio ao mundo em 1853. Nasceu escravo e era filho da escrava Eva Pereira da Silva. Em 1878, quando tinha vinte e cinco anos, comprou sua liberdade para casar com Joanna que também foi escrava. Tornou-se carreteiro viajante de profissão. No seu carro, de juntas bovinas, viajava do Passo do Sertão, para o norte, até a capela do Grande Araranguá e vila de Laguna. Após, sempre pela praia, voltava para o sul. Passava na Villa das Torres e Tramandaí, depois derivava para o interior em direção a Porto Alegre e Viamão. Na ida levava principalmente cachaça, farinha de mandioca, açúcar preto e rapadura. Na volta trazia encomendas diversas: fazendas, armarinhos, especiarias, peixes e mariscos secos. Fazia, também, biscates pelo caminho. Segundo a senhora Venina (96 anos) que o conheceu, ficou rico. Construiu a melhor casa na localidade de Olhos d'Agua, no Passo do Sertão _ segundo distrito do Grande Araranguá. Era uma casa enorme, de tijolos, rebocada, forrada, assoalhada e caiada. Na ampla sala, como ornato, tinha em uma das paredes uma canga com duas cabeças de bois mumificadas. Quando morreu em 1935, aos oitenta e dois anos de idade, deixou a viúva Joanna Cecília de Jesus, que tinha mediunidade, sete filhos e bens a inventariar.  Esta é mais uma história Lendaria da nossa terra para a nossa gente.

Adaptado doo livro: Vale do Mampituba __ Bento Barcelos da Silva

O SANTO QUE FOI ESCRAVO





O SANTO QUE FOI ESCRAVO


O “torriense”, Sebastião Serafim Coelho, nasceu escravo e era filho da escrava Joaquina. Foi batizado por volta dos oito anos na Villa das Torres em 26-01-1858. Não se sabe quando foi embora, nem em que circunstâncias, e muito menos quando ficou livre. Morou em Porto Alegre, Esteio e por último em Canoas onde mais tempo viveu. Bastião, como como ficou conhecido, levava uma vida muito simples. Era muito pobre e trabalhava fazendo biscates. Não cobrava em dinheiro pelos seus serviços, mas trocava por alimentos o seu modesto trabalho e só pegava o necessário para ir levando a vida. Era muito querido e respeitado por todos _ um místico devoto a Deus. Aos domingos assistia todas as missas e comungava. Rezava a Via-Sacra com profunda devoção. Durante a quaresma cumpria jejum rigoroso e ia e voltava caminhando, com os pés descalços, até Porto Alegre para participar da procissão da Nossa Senhora dos Navegantes. Não aceitava caronas para fazer penitência. Queria pagar os pecados que não tinha. Em Canoas o vigário da paróquia São Luís, padre José Leão Hartimann, conseguiu uma casinha nos fundos da igreja. Aí viveu os seus últimos longos anos. Morreu na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre em 04-05-1958 aos cento e cinco anos de idade (108?). Sebastião foi sepultado no Cemitério Chácara Barreto, na cidade de Canoas, segundo consta no livro: "Pequena História de Canoas", de João Palma da Silva. Sua morte foi amplamente noticiada nos jornais de Porto Alegre. Ele viveu uma vida simples, um modelo para todo cristão. Sebastião, hoje em Canoas, é tido como um Santo. Seu túmulo é venerado por muitas pessoas que o cobrem de flores e velas. Dizem os devotos que graças tem sido alcançada e até curas ditas milagrosas por intermédio desse Homem de Deus. Alguém já falou em colocá-lo nos altares canonizados, para exemplo dos cristãos, o que seria justo e oportuno, disse Ruschel. Em Torres quase nada se sabe da vida simples e religiosa desse humilde filho de Deus. Como diz o dito popular: "Santo de casa não faz milagre”, mas virou Lenda.

Adaptado do Livro: Vale do Mampituba __ Bento Barcelos da 

O FAROL DE TORRES






O FAROL DE TORRES



               Na primeira década do século passado, por necessidades náuticas, a marinha do Brasil resolveu instalar no litoral de Torres um farol para orientar os navios que passavam ao largo da nossa costa. O local escolhido foi o alto da Torre Norte, situado aproximadamente aos quarenta e cinco metros de altitude e nas seguintes coordenadas geográficas: 29º20’S e 49º43’W. Foi, então, adquirido e importado um farol francês. Até a cidade de Laguna o transporte dele foi feito por via marítima que na época era o único meio possível. Porém, de laguna até Torres o transporte aconteceu por carros de juntas bovinas. Foi instalado em 25/01/1912 e montado em uma torre de ferro com dez metros de altura, e elegantemente revestida com  chapas de ferro fundido. Foi o farol mais belo dos quatros que povoaram a nossa torre que passou a ser chamada, a partir daí, de Morro do Farol. O local passou a ser visitado por nossos turistas, veranistas e nativos, com muita frequência, que descortinaram aquele lugar, e dali passaram a ver todas as belezas naturais da região, ou seja: A leste, quase mergulhado no oceano, uns recifes denominado Ilha dos Lobos e o próprio mar sem fim; ao norte o rio Mampituba se encaracolando entre matas nativas, dunas e banhados, e a imensidão; ao oeste a lagoa da “Villa”, mais distante matas nativas e banhadais, e bem lá longe a serra azul tocando no céu; ao sul, Torre do Meio, Guarita, Torre Sul, dunas enormes e a Pedra Chata. Tanto para o norte quanto para o sul grandes extensões de praias desertas. O local passou a ser um verdadeiro belvedere. Porém, o primeiro farol, o mais belo, teve a vida muito curta. Morreu na adolescência. Tinha somente dezesseis anos, quando a morte o colheu. Foi carcomido pela maresia soprada pelos ventos marítimos, os ventos dominantes na região. Em 1928 um segundo farol foi novamente adquirido, importado e instalado na base do anterior. Era sueco. Tinha forma de esqueleto e também dez metros de altura. Foi inaugurado em 18/02/1928. Durou mais do que o primeiro. Mas era ainda muito jovem, quando ceifadeira o levou aos vinte oito anos de idade. Também foi carcomido pela maresia. Depois, em 1952, surgiu o terceiro farol com quinze metros de altura. Foi construído de alvenaria _ um projeto nacional e com mão de obra marisqueira. Foi feito para durar e lá o seu corpo, de forma piramidal, ainda está firme e forte, embora sem a cabeça pensante. Foi decapitado por mãos humanas, não pisca mais. Funcionou até 1993. Construído para ser eterno, porém funcionou somente por quarenta e um anos. Mesmo assim, foi o mais longevo deles. Sua cabeça, com seu olho mágico, foi transplantada para uma torre de rádio base construída atrás dele e que passou a ofusca-lo, interferindo e na sua eficiência. A torre de concreto da Estação de Rádio Base _ ERB, um monstrengo de formato cilíndrico, com quarenta e seis metros de altura passou a ser o novo abrigo do farol. E a parte pensante e cheia de magia passou a piscar no alto da torre que o ofuscou. Venturella chama esta torre de “o quarto farol”. Mas infelizmente novas tecnologias como GPS já anunciavam a morte definitiva do farol de Torres. Passou a não servir mais, não teve mais manutenção, apagou e morreu. Aquela mente brilhante que nas noites piscava para os nautas passantes e para as sereias, já não pisca mais. Agora temos apenas um olho cego no alto do monstrengo, Porém agora vamos lembrar, para sempre, o farol de Torres como uma Lenda da nossa terra. 
Adaptado do Livro: Torres História em Crônicas __ Bento Barcelos da Silva

sábado, 25 de julho de 2020

O PEQUENO PESCADOR




O PEQUENO PESCADOR



O menino Kid _ Euclides Manoel Mariano _ na ânsia de fisgar a miraguaia, com o bucheiro, se descuidou e uma onda gigante e traiçoeira o empurrou para dentro do mar. Depois ondas enormes o socaram contra o paredão e ele apagou. “Me descuidei na ânsia de fisgar a miraguaia e senti quando uma onda gigante me empurrou pelas costas e me socou com força para o fundo do mar. Acreditei que ia morrer. Outras ondas enormes me jogavam contra os rochedos enquanto eu tentava me livrar das roupas pesadas que vestia. Bebi água salgada enquanto era arrastado pela força da maré em direção ao norte. Defronte aos pesqueiros Balcão e Feio, enquanto me batia com as roupas, ondas enormes me sufocam contra o paredão. Depois, já sem as roupas pesadas e bem defronte ao pesqueiro Saltinho, vi o “bucheiro” passar por mim. Tentei pega-lo para me equilibrar sobre a água, porém uma onda foi mais rápida e o levou para a escuridão. Senti que em meu peito tinha ossos quebrados e me apaguei. Após o mar me rolou sobre pedras e os mariscos lanharam meu corpo. Mais tarde as ondas apenas me lambiam devagar. Agora, sem roupas, sentia muita dor e um frio que travava os movimentos. Chorei e orei sem saber se estava vivo ou estava morto. Mas, de repente, lá do alto veio um grito: Kidêêê... Eu estava deitado sobre pedras e de barriga para cima. Ouvia vozes, mas eram distantes e confusas. Vi um pano balançando no meio do paredão. Eram roupas. Tentei, mas não consegui me arrastar. As vozes distantes diziam: mais pra lá, mais pra lá... finalmente vi a Luz e a Luz era Jesus. Falou comigo com carinho e prestou os primeiros socorros e me levou nos braços até ao pé do paredão. Lá estava acorda que ele desceu. Me colocou sobre uma ferramenta improvisada e me orientou. Em seguida deu três puxões na corda e eu comecei a subir. Quando cheguei lá encima mãos amigas de pessoas emocionadas vieram em meu encontro. Seu Alfredo correu e se ajoelhou aos pés da réplica do Crucificado. Agradeceu, rezou e chorou. Nesse momento o Sol raiava no horizonte”. Durante seis horas Kid lutou contra o mar, e pelo mar foi arrastado e rolado ao pé do paredão por mais de trezentos metros. É claro que não venceu este gigante e indomável deus pagão, mas também, não pagou tributo. A Luz era Jesus, porém não era o Cristo. Era Adão Luz de Jesus, carinhosamente conhecido por todos como Adão Jacaré. Kid, hoje, é uma Lenda viva na nossa terra para nossos velhos contar para a nossa gente.
Adaptado do Livro: Rabiscando na Areia __ Bento Barcelos da Silva

O NAUTA E A SENHORA




O NAUTA E A SENHORA
    


Irê dos Santos Cardoso nasceu pescador. Muito jovem tornou-se salva-vidas e depois soldado da Brigada Militar. Como salva-vidas estava entre os melhores. Em período de férias da corporação, volta ao grande lago salgado. Em um barco pesqueiro vai em busca do alto mar. Foi em busca de um grande pescado. Porém, lá muito longe da costa, aquilo que parecia ser uma pescaria festiva, para um soldado em férias, tornou-se um imenso pesadelo para toda a tripulação. Cai sobre eles uma tempestade, um Nordestão. O barco lança âncora, mas balança como uma casca de noz e, para maior tormento dos navegantes, o motor e o rádio da embarcação “pifam”. O vendaval sopra cada vez mais forte e os dias passam devagar. A comida e a água ficam escassas. Irê pensa nos seus companheiros e pensa grande. Quer buscar socorro para todos. Sabia que com pequena boia atada à cintura e com sua experiência de salva vidas, as ondas o levariam para a costa. Contava com a sorte e proteção da “Senhora”, sua madrinha. Pouco antes do Sol nascer e sem ninguém na proa para servir de testemunha, se benze e se lança ao mar. Quando elevado, nas cristas das ondas crespas e espumantes, vê o brilho do Sol riscando o céu no horizonte. Após algum tempo o barco é apenas um ponto que cambaleia em um imenso deserto de águas agitadas. Depois uma serra no lado oposto. Mais tarde pequenas torres e uma cidade que desperta. O pescador está exausto e muito distante em mar aberto. Num cavado, com a humildade dos fortes, emocionado, chora e reza baixinho: Ave Maria. Cristas e cavados velozes se repetem, contudo o tempo insiste em sua lentidão. Num cavado, entre ondas, vê somente um pequeno e distante Sol, envolto por lágrimas e neblina. Numa outra crista vê céu e mar sem limites. O barco há muito tempo, perdeu de vista. Ele é como um cisco arrastado pelas águas tempestuosas. Depois de um tempo, que parecia não ter fim, o gigante Irê sente a terra embaixo de seus pés. Passaram-se mais de cinco horas. Ele foi arrastado pela tormenta vinte e tantos quilômetros. Exausto pegou carona com um carroceiro que se dirigia para o centro da cidade. Depois um automóvel o leva até os familiares e amigos que aflitos os esperavam, na foz do rio, rezando e olhando para o mar. Em seguida, após o relato do Irê, um robusto barco em missão de alto risco, parte com seus heroicos marinheiros em socorro dos que estavam perdidos. Leva comida, água e um mecânico a bordo. Sabem também que terão de ficar por lá até o fim da tempestade. Contudo, depois dos castigos do mar, dois barcos apontam no horizonte para, em seguida, “irmanados” e sem vítimas, entrar na barra e lentamente, e em festa, subir o rio.  Irê, a pouco tempo, nos deixou, mas seu nome virou LENDA para ser sempre contada pela nossa gente.
Adaptado do Livro: Torres História em Crônicas __ Bento Barcelos da Silva

A CIGANA


Caridad Mailos López “Larroyd”, Caridade como ficou conhecida, era uma cigana espanhola que veio para o Brasil com uma companhia de teatro e foi parar em Tubarão no estado de Santa Catarina. Ali se separou da empresa e do marido. As dificuldades a levaram para São Paulo onde teve vida dura. Pegou no pesado trabalhando em fornos de fazer carvão. Sofreu um acidente e ficou defeituosa de uma perna. Voltou para o sul e em Laguna encontrou um novo companheiro, Manoel Larroyd, que era latoeiro de profissão e também espanhol. Aprendeu o ofício do marido e com ele fabricava chocolateiras, alambiques, tachos, canecas, bacias e outros utensílios. Tinham vontade de morar na Argentina e um dia partem para lá. Porém em Araranguá são detidos por uma enchente e enquanto aguardam vão fabricando objetos de lata e fazendo amizades. Os amigos pedem para que fiquem no Araranguá e eles ficam. Era uma mulher analfabeta, mas com rara inteligência e dona de uma linda voz. Cantava, tocava castanhola e dançava. Era parteira, lia a sorte nas cartas de baralho e benzia. Não teve filhos, contudo criou trinta e oito filhos adotivos. Quando ficou viúva ensinava a profissão do marido para os filhos que adotou. Era muito bondosa e bem quista pela população. Todos a queriam como comadre. Tinha também um raro dom comercial. Foi dona de uma venda e de um pequeno hotel. Construía casas onde trabalhava de servente e depois vendia para fazer outra e ir levando a vida. Um dia, porém, a vida a levou e agora Caridad Larroyd é Lenda para as gentes do Grande Araranguá.
Do Livro: O Grande Araranguá Padre João Leonir Dall’Alba
Depoimento de Emiliano Hahn e Rivarol Gerhardt. ­ Filhos adotivos de Caridad Larroyd
Resumido e adaptado por Bento Barcelos da Silva

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Náfragos do paredão


Náufragos do paredão1
Kideeeê

Kid (Euclides Manoel Mariano), é uma verdadeira lenda viva torrense e por esse motivo a história dele deve ser para sempre lembrada. Num outro tempo, mais no passado, exatamente no dia 19/08/1968, uma madrugada invernosa, no Morro das Furnas, ocorreu um fato violento e chocante. Aconteceu em uma noite úmida e ventosa, com um mar agitadíssimo tocado de sul. Diversos pescadores se esparramavam nas partes altas dos pesqueiros locais com suas linhas de mão lançadas ao mar revolto. Uma pescaria de miraguaias. Como era costume usam surradas roupas pesadas para se protegerem do frio cortante de uma madrugada escura.
Entre eles o menino Kid com catorze anos, adolescente, muito pobre e recém chegado do interior. Ainda não conhecia bem o mar, mas, como todo jovem, era ágil e afoito, e tinha coragem.
Em um dado momento o pescador Clóvis Daitx “ferra” uma miraguaia e com ajuda do menino Kid desce no pesqueiro Furna Grande para, com ajuda dele, “embucheirar” e sacar o peixe de dentro do mar agitado. E foi ali que o imprevisto aconteceu. Quando a miraguaia estava avista e Kid com o “bucheiro” na mão se prepara para arrebatar o troféu, o mar lança uma poderosa e traiçoeira onda que, como uma imensa língua, lambe o menino audaz para o fundo do mar. Para desespero do Clóvis, o amigo Kid junto com a miraguaia desaparecem com a onda na escuridão. O peixe ficou livre da linha que o prendia, mas o jovem pescador desapareceu enrolado na onda que o derrubou. Tal fato aconteceu por volta da uma hora e trinta minutos da madrugada. O mar que dá o peixe costuma cobrar tributos, levando com regularidade um pescador. Seria, Kid, naquela noite, um tributo cobrado?
Eu, na ânsia de fisgar a miraguaia, senti quando uma onda gigante me empurrou pelas costas e me socou com força para o fundo do mar. Depois ondas enormes me sufocaram contra o paredão. Me apaguei e acordei sem roupas. Sentia muita dor e um frio que travava os movimentos. Chorei e orei sem saber se estava vivo ou estava morto. Ouvia vozes, mas eram distantes e confusas... Depois uma Luz, era Jesus. Falou comigo com carinho e me prestou os primeiros socorros. Me colocou sobre uma ferramenta improvisada e me orientou. Em seguida deu três puxões numa corda e eu comecei a subir. Quando cheguei lá encima mãos amigas de pessoas emocionadas vieram ao meu encontro. Já faz meio século que a lenda nasceu.
A história assim como a verdade tem muito de imaginação, e a história oficial sempre foi ingrata com os humildes, portanto vamos transformar a história deles em lendas para que possam ser contadas e nunca mais esquecidas.
Não deixem as lendas morrer. Elas encantam e espantam.


Referências
da Silva, Bento Barcelos. Vale do Mampituba História: Realidade e Imaginação. Porto Alegre 2018.
da Silva, Bento Barcelos. Rabiscando na Areia. Torres 2018
Fernandes, Débora. Torres História em Crônicas Volume 1. Torres 2019
1 Livro Rabiscando na Areia

Homens ao Mar


HOMENS AO MAR 
O Nauta e a Senhora1

Bento Barcelos da Silva
Incerto nauta por feios mares
Onde se estende névoa sombria
Se encosta ao mastro, descobre a fronte
E reza baixinho: Ave Maria _ Fagundes Varela

Irê dos Santos Cardoso (05/07/1944_02/05/2020) foi um menino pobre que muito cedo conheceu o mar. Nasceu pescador na região baixa do Vale do Mampituba. É filho de outro pescador, Manoel Porfírio Cardoso, e uma dona de casa, Erma Apolinário dos Santos. Muito jovem tornou-se salva-vidas e depois soldado da Brigada Militar. Como salva-vidas estava entre os melhores. Além de ótimo nadador era aplicado; tinha técnica, resistência e coragem. Em período de férias da corporação, volta ao grande lago salgado. Se junta com pescadores profissionais e agora é um nauta de um barco pesqueiro que em dia tranquilo, se afasta da foz como num parto, arredando as pequenas vagas e em busca do alto mar. Irê foi à procura de um grande pescado. Queria fazer presente a um amigo. O mar e o tempo prometiam. Porém, lá muito longe da costa, aquilo que parecia ser uma pescaria festiva, para um soldado em férias, tornou-se um imenso pesadelo para toda a tripulação. Netuno, o deus dos mares e das tormentas, manda e rege sobre eles uma tempestade. Um Nordestão com a fúria de um verdadeiro filho de Tifão, o pai dos ventos violentos, que varre o mar e levanta ondas com mais de dez metros. O barco está tão longe da terra que de lá se vê o Sol, quando finda a jornada, se esconder no oceano. Tão longe no mar que lá a meia noite é mais quente do que o meio dia e o meio dia, portanto, é mais frio do que a meia noite. O barco com sua tripulação se arrasta e, sob o comando de mãos experientes, tenta se aproximar da costa. Porém, para desespero de todos, o motor da embarcação "pifa" e perdem também a comunicação pelo rádio. O barco com sua tripulação fica muito além da ilha dos Lobos e lança âncora, mas balança como uma casca de noz. Não são vistos da terra e os dias passam muito devagar. O terrível filho de Tifão não descansa. Sopra cada vez mais forte. Netuno, que é um deus violento, ri com crueldade.
O comandante pede tranquilidade à tripulação. Sabe, por experiência, que quanto mais forte a tempestade menos tempo ela dura. Não queria saber de aventuras: “Quando a tormenta passar, um outro barco virá em nosso socorro”, complementou. Era um recado indireto para o pescador temporário. Ele conhecia bem o novato tripulante. Porém, Irê, com disciplina militar, se comporta tão bem quanto os outros marinheiros pescadores; mas é por pouco tempo. A comida e a água ficam escassas, e ele é um glutão. Precisa de muita energia para manter saudável o seu corpo forte e sadia a sua mente brilhante. Pensa também nos seus companheiros. E pensa grande. Planeja uma fuga para o próximo amanhecer. Quer buscar socorro para todos. Sabia que com pequena boia atada à cintura e com sua experiência de salva vidas, as ondas o levariam para a costa. Contava com a sorte e proteção da “Senhora”, sua madrinha. Um pouco antes do Sol nascer, sem ninguém na proa para servir de testemunho, se benze e se lança ao mar. A água gelada é um choque que o assusta, mas não tem mais como voltar, e nem quer. Se benze outra vez e se assusta novamente. Vozes sufocadas pelo vento berrante e pelo estalar dos banzeiros o chamam pelo nome. É Osmar, outro pescador que, às ocultas, o estava “negaciando”. Vem espanando na água como um cachorrinho. O afoito e corajoso Osmar era muito jovem, mas não sabia nadar. A partir desse momento, as coisas complicadas se multiplicaram em um infinito. Novamente Irê se benze e dá guarida, na pequena boia, ao seu companheiro de infortúnio.

No mar há tanta tormenta e há tanto dano.
E tantas vezes a morte é apercebida _ Camões

Agora temos dois homens perdidos num mar revolto ao sabor das gigantescas ondas e ouvindo o silvo, como um chicote, de um vento aterrador. As lentas horas passam muito devagar. Quando elevados, nas cristas das ondas crespas e espumantes, veem o brilho do Sol riscando o céu em um horizonte distante. O barco já é apenas um ponto que cambaleia em um imenso deserto de águas. Algum tempo depois uma serra no lado oposto. Mais tarde pequenas torres e uma cidade que desperta. Os pescadores estão exaustos e muito distantes em mar aberto. Osmar pensa em desistir e largar a boia. E, num cavado, entre as enormes ondas ele diz soluçando: Eu vou ficar e tu segues. Tens Família e eu não posso atrapalhar. Irê o segura, com seus braços fortes, contra a boia e retruca: Não faça isso: “Nossa Senhora vai nos ajudar.” De novo, em um crista que os eleva, vê as torres maiores e mostra para o amigo que quer desistir, e repete: “Nossa Senhora vai nos ajudar.” Outra vez num cavado, com a humildade dos fortes, emocionado, chora e reza baixinho: Ave Maria. Cristas e cavados velozes se repetem em períodos curtos, contudo o tempo insiste em passar devagar. Em um cavado, entre ondas, vê somente um pequeno e distante Sol, envolto por lágrimas e neblina, que os espia do alto no seu eterno e lento movimento. Numa outra crista vê céu e mar sem limites. O barco, há muito tempo, perderam de vista. Eles são como um cisco caído da carruagem de Netuno e arrastados pelas águas tempestuosas. Depois de um tempo que parecia não ter fim, o gigante Irê sente a terra embaixo de seus pés. “Estamos chegando:” grita para o companheiro meio desfalecido. Viu muito próximo a Pedra Chata a sua esquerda. Mas Netuno brinca, e lança sobre eles uma onda de recuo que os devolve para as profundezas. Vê a Pedra Chata se afastar e passa por ela ao largo. Ela, a Pedra, agora está a sua direita. Finalmente seus pés outra vez encontram terra firme. Agora é para valer. Se arrastam e caem na areia onde o mar, que tanto e por tanto tempo os fustigou, já nem lambe seus pés. Somente o vento forte ainda os açoita. Passaram mais de cinco horas e foram arrastados pela tormenta por quase trinta quilômetros. Irê tem forte lesão em uma das pernas causada pelo atrito da corda atada a sua cintura que prendia a pequena bóia. São socorridos por um carroceiro que se dirigia para o centro da cidade. Depois um automóvel os leva até os familiares e amigos que aflitos os esperavam, na foz do rio, rezando e olhando para o mar. Em seguida, após o relato do Irê, um robusto barco em missão de alto risco, parte com seus heroicos marinheiros em socorro dos que estavam perdidos. Leva comida, água e um mecânico a bordo. Sabem também que terão de ficar por lá até o fim da tempestade. Contudo, após a tempestade, a calmaria. Depois dois barcos apontam no horizonte para em seguida, “irmanados” e sem vítimas, entrar na barra e lentamente, e em festa subir o rio. Após, Netuno em sua carruagem, volta para o seu reino no fundo do mar e arquiteta outras tempestades. 
Este modesto trabalho é uma homenagem a Irê dos Santos Cardoso que já não esta mais entre nós, porém tornou-se uma história lendária na nossa terra para ser  sempre contada pela nossa gente.


Notas e observações
Relatos de Irê para este escriba e contador de histórias em julho de 2015. O feito ocorreu em meados de setembro de 1983; O defeito no motor do barco era apenas o cabo da bateria que tinha se rompido; Ondas de dez metros correspondem a ventos de mais de 60km/h conforme escala de Beaufort que quantifica os ventos. O jovem Osmar, após ser bem tratado pela família de nosso herói (banho,  refeições e roupas) parte para sua terra, Laguna e nunca mais se ouviu falar nele. Irê dos Santos Cardoso foi homenageado na Câmara Municipal de Porto Alegre no mesmo ano; O feito heróico foi noticiado no Jornal Zero Hora pela jornalista Margareth de Paula. Colaboram com esta matéria: Aline Barrim Bianch e Adriano M. Teixeira _ Daka. Colaboração especial de Luiz Alberto Bach _ Gigio, que foi cozinheiro em alto mar.

1          Publicado no livro Torres História em Crônicas _  Volume 1 _  Idealizado por Paulo César      Timm e Organizado por Débora Fernandezdez

Homem Seco da Igreja Matriz


O Homem seco da Igreja Matriz1
Por meu Deus, por Rei e por Castela foram palavras ditas por El Cid, o mais leal dos homens e o mais nobre dos guerreiros que povoou a mente infanto-juvenil deste escriba contador de histórias. Foi para sua última batalha mumificado. Estava Morto. Seu nome correto: Rodrigo Dias de Vivar. Uma lenda, é claro.
Rodrigues, nome muito comum na região do Vale do Mampituba, segundo os estudiosos quer dizer o filho de Rodrigo, portanto o filho da lenda de um homem seco. E aqui em São Domingos das Torres nós temos um filho da lenda que virou lenda, um filho de El Cid. Era um simpatizante maragato que em uma madrugada foi feito prisioneiro pelos homens do governo. Este fato aconteceu nos costões da Serra Geral, no lugar denominado Barro Cortado. Era um velho doente e acamado que tinha tomado como linimento um purgativo. Foi trazido para a “Villa” com requintes de crueldades. Andou a pé por trinta quilômetros com os punhos amarrados e atados por uma pequena corda a cela do cavalo de um de seus algozes.
Quando aqui chegou estava febril, desnutrido e desidratado, vivo por milagre. Depois foi estaqueado e mais tarde degolado. Seu corpo fiou insepulto para que as feras e as aves de rapina o devorassem. Era para servir de escarmento.
Não teve direito a um atestado de óbito e nem de corpo delito. Era proibido. Foi chamado pelos inimigos políticos, com muita ironia, de bandido. Porém para os parentes e amigos era uma vítima.
Contudo, na calada da noite os parentes e amigos, sem velório, enterraram aquele corpo enrolado em um couro de boi salgado e costurado. Foi enterrado em uma cova rasa nas dunas da Praia da Cal, entre a lagoa da “Villa” e a Torre Norte. Dunas que, naquela época, invadiam o vilarejo e ameaçava soterra-lo. Vilarejo que era apenas uma pequena rua.
Tempos depois o travesso vento resolve descobrir o couro de boi com os restos mortais do mártir. Os inimigos políticos, novamente com muita ironia, disseram que a terra não o aceitou no seu ventre porque era um homem muito ruim.
Mais tarde, no imaginário popular, criou-se a ideia que o mar expulsou de suas águas e o fogo não o aceitou em suas chamas e então aquela corama foi parar na igreja matriz de São Domingos das Torres que o aceitou. Um lugar merecido, segundo os parentes que o consideram um santo. Nasceu a lenda.
Ele teve muitos filhos com muitas mulheres e três deles fizeram uma guerra local para vingar a morte do Pai.
Seu nome José Rodrigues da Silva, neto do alferes povoador da “Villa”.
NÃO DEIXEM A LENDA MORRER, ELA ENCANTA E ESPANTA.
1 Adaptação do livro O Vale do Mampituba Capítulo XV