quarta-feira, 20 de maio de 2020
segunda-feira, 4 de maio de 2020
Náfragos do paredão
Náufragos
do paredão1
Kideeeê
Kid
(Euclides Manoel Mariano), é uma verdadeira lenda viva torrense e
por esse motivo a história dele deve ser para sempre lembrada. Num
outro tempo, mais no passado, exatamente no dia 19/08/1968, uma
madrugada invernosa, no Morro das Furnas, ocorreu um fato violento e
chocante. Aconteceu em uma noite úmida e ventosa, com um mar
agitadíssimo tocado de sul. Diversos pescadores se esparramavam nas
partes altas dos pesqueiros locais com suas linhas de mão lançadas
ao mar revolto. Uma pescaria de miraguaias. Como era costume usam
surradas roupas pesadas para se protegerem do frio cortante de uma
madrugada escura.
Entre
eles o menino Kid com catorze anos, adolescente, muito pobre e recém
chegado do interior. Ainda não conhecia bem o mar, mas, como todo
jovem, era ágil e afoito, e tinha coragem.
Em
um dado momento o pescador Clóvis Daitx “ferra” uma miraguaia e
com ajuda do menino Kid desce no pesqueiro Furna Grande para, com
ajuda dele, “embucheirar” e sacar o peixe de dentro do mar
agitado. E foi ali que o imprevisto aconteceu. Quando a miraguaia
estava avista e Kid com o “bucheiro” na mão se prepara para
arrebatar o troféu, o mar lança uma poderosa e traiçoeira onda
que, como uma imensa língua, lambe o menino audaz para o fundo do
mar. Para desespero do Clóvis, o amigo Kid junto com a miraguaia
desaparecem com a onda na escuridão. O peixe ficou livre da linha
que o prendia, mas o jovem pescador desapareceu enrolado na onda que
o derrubou. Tal fato aconteceu por volta da uma hora e trinta minutos
da madrugada. O mar que dá o peixe costuma cobrar tributos, levando
com regularidade um pescador. Seria, Kid, naquela noite, um tributo
cobrado?
Eu,
na ânsia de fisgar a miraguaia, senti quando uma onda gigante me
empurrou pelas costas e me socou com força para o fundo do mar.
Depois ondas enormes me sufocaram contra o paredão. Me apaguei e
acordei sem roupas. Sentia muita dor e um frio que travava os
movimentos. Chorei e orei sem saber se estava vivo ou estava morto.
Ouvia vozes, mas eram distantes e confusas... Depois uma Luz, era
Jesus. Falou comigo com carinho e me prestou os primeiros socorros.
Me colocou sobre uma ferramenta improvisada e me orientou. Em seguida
deu três puxões numa corda e eu comecei a subir. Quando cheguei lá
encima mãos amigas de pessoas emocionadas vieram ao meu encontro. Já
faz meio século que a lenda nasceu.
A
história assim como a verdade tem muito de imaginação, e a
história oficial sempre foi ingrata com os humildes, portanto vamos
transformar a história deles em lendas para que possam ser contadas
e nunca mais esquecidas.
Não
deixem as lendas morrer. Elas encantam e espantam.
Referências
da
Silva, Bento Barcelos. Vale
do Mampituba História: Realidade e Imaginação. Porto
Alegre 2018.
da
Silva, Bento Barcelos. Rabiscando
na Areia.
Torres 2018
Fernandes,
Débora. Torres
História em Crônicas Volume 1.
Torres 2019
Homens ao Mar
Incerto
nauta por feios mares
Onde
se estende névoa sombria
Se
encosta ao mastro, descobre a fronte
E
reza baixinho: Ave Maria _ Fagundes Varela
Irê
dos Santos Cardoso (05/07/1944_02/05/2020) foi um menino pobre que muito cedo conheceu o mar.
Nasceu pescador na região baixa do Vale do Mampituba. É filho de
outro pescador, Manoel Porfírio Cardoso, e uma dona de casa, Erma
Apolinário dos Santos. Muito jovem tornou-se salva-vidas e depois
soldado da Brigada Militar. Como salva-vidas estava entre os
melhores. Além de ótimo nadador era aplicado; tinha técnica,
resistência e coragem. Em período de férias da corporação, volta
ao grande lago salgado. Se junta com pescadores profissionais e agora
é um nauta de um barco pesqueiro que em dia tranquilo, se afasta da
foz como num parto, arredando as pequenas vagas e em busca do alto
mar. Irê foi à procura de um grande pescado. Queria fazer presente
a um amigo. O mar e o tempo prometiam. Porém, lá muito longe da
costa, aquilo que parecia ser uma pescaria festiva, para um soldado
em férias, tornou-se um imenso pesadelo para toda a tripulação.
Netuno, o deus dos mares e das tormentas, manda e rege sobre eles uma
tempestade. Um Nordestão com a fúria de um verdadeiro filho de
Tifão, o pai dos ventos violentos, que varre o mar e levanta ondas com
mais de dez metros. O barco está tão longe da terra que de lá se
vê o Sol, quando finda a jornada, se esconder no oceano. Tão longe
no mar que lá a meia noite é mais quente do que o meio dia e o meio
dia, portanto, é mais frio do que a meia noite. O barco com sua
tripulação se arrasta e, sob o comando de mãos experientes, tenta se aproximar da costa. Porém, para desespero de todos, o motor da embarcação "pifa" e perdem também a comunicação pelo rádio. O barco com sua tripulação fica muito além da
ilha dos Lobos e lança âncora, mas balança como uma casca de noz. Não são
vistos da terra e os dias passam muito devagar. O terrível filho de Tifão
não descansa. Sopra cada vez mais forte. Netuno, que é um deus
violento, ri com crueldade.
O
comandante pede tranquilidade à tripulação. Sabe, por experiência,
que quanto mais forte a tempestade menos tempo ela dura. Não queria
saber de aventuras: “Quando a tormenta passar, um outro barco virá
em nosso socorro”, complementou. Era um recado indireto para o
pescador temporário. Ele conhecia bem o novato tripulante. Porém,
Irê, com disciplina militar, se comporta tão bem quanto os outros
marinheiros pescadores; mas é por pouco tempo. A comida e a água
ficam escassas, e ele é um glutão. Precisa de muita energia para
manter saudável o seu corpo forte e sadia a sua mente brilhante.
Pensa também nos seus companheiros. E pensa grande. Planeja uma
fuga para o próximo amanhecer. Quer buscar socorro para todos. Sabia
que com pequena boia atada à cintura e com sua experiência de salva
vidas, as ondas o levariam para a costa. Contava com a sorte e
proteção da “Senhora”, sua madrinha. Um pouco antes do Sol
nascer, sem ninguém na proa para servir de testemunho, se benze e se
lança ao mar. A água gelada é um choque que o assusta, mas não
tem mais como voltar, e nem quer. Se benze outra vez e se assusta
novamente. Vozes sufocadas pelo vento berrante e pelo estalar dos
banzeiros o chamam pelo nome. É Osmar, outro pescador que, às
ocultas, o estava “negaciando”. Vem espanando na água como um
cachorrinho. O afoito e corajoso Osmar era muito jovem, mas não
sabia nadar. A partir desse momento, as coisas complicadas se
multiplicaram em um infinito. Novamente Irê se benze e dá guarida,
na pequena boia, ao seu companheiro de infortúnio.
No
mar há tanta tormenta e há tanto dano.
E
tantas vezes a morte é apercebida _ Camões
Agora
temos dois homens perdidos num mar revolto ao sabor das gigantescas
ondas e ouvindo o silvo, como um chicote, de um vento aterrador. As
lentas horas passam muito devagar. Quando elevados, nas cristas das
ondas crespas e espumantes, veem o brilho do Sol riscando o céu em
um horizonte distante. O barco já é apenas um ponto que cambaleia
em um imenso deserto de águas. Algum tempo depois uma serra no lado
oposto. Mais tarde pequenas torres e uma cidade que desperta. Os
pescadores estão exaustos e muito distantes em mar aberto. Osmar
pensa em desistir e largar a boia. E, num cavado, entre as enormes
ondas ele diz soluçando: Eu vou ficar e tu segues. Tens Família e
eu não posso atrapalhar. Irê o segura, com seus braços fortes,
contra a boia e retruca: Não faça isso: “Nossa Senhora vai nos
ajudar.” De novo, em um crista que os eleva, vê as torres maiores
e mostra para o amigo que quer desistir, e repete: “Nossa Senhora
vai nos ajudar.” Outra vez num cavado, com a humildade dos fortes,
emocionado, chora e reza baixinho: Ave Maria. Cristas e cavados
velozes se repetem em períodos curtos, contudo o tempo insiste em
passar devagar. Em um cavado, entre ondas, vê somente um pequeno e
distante Sol, envolto por lágrimas e neblina, que os espia do alto
no seu eterno e lento movimento. Numa outra crista vê céu e mar
sem limites. O barco, há muito tempo, perderam de vista. Eles são
como um cisco caído da carruagem de Netuno e arrastados pelas águas
tempestuosas. Depois de um tempo que parecia não ter fim, o gigante
Irê sente a terra embaixo de seus pés. “Estamos chegando:”
grita para o companheiro meio desfalecido. Viu muito próximo a Pedra
Chata a sua esquerda. Mas Netuno brinca, e lança sobre eles uma onda
de recuo que os devolve para as profundezas. Vê a Pedra Chata se
afastar e passa por ela ao largo. Ela, a Pedra, agora está a sua
direita. Finalmente seus pés outra vez encontram terra firme. Agora
é para valer. Se arrastam e caem na areia onde o mar, que tanto e
por tanto tempo os fustigou, já nem lambe seus pés. Somente o vento
forte ainda os açoita. Passaram mais de cinco horas e foram
arrastados pela tormenta por quase trinta quilômetros. Irê tem forte lesão em uma das pernas causada pelo atrito da corda atada a sua cintura que prendia a pequena bóia. São
socorridos por um carroceiro que se dirigia para o centro da cidade.
Depois um automóvel os leva até os familiares e amigos que aflitos
os esperavam, na foz do rio, rezando e olhando para o mar. Em
seguida, após o relato do Irê, um robusto barco em missão de alto
risco, parte com seus heroicos marinheiros em socorro dos que estavam
perdidos. Leva comida, água e um mecânico a bordo. Sabem também
que terão de ficar por lá até o fim da tempestade. Contudo, após
a tempestade, a calmaria. Depois dois barcos apontam no horizonte
para em seguida, “irmanados” e sem vítimas, entrar na barra e
lentamente, e em festa subir o rio. Após,
Netuno em sua carruagem, volta para o seu reino no fundo do mar e
arquiteta outras tempestades.
Este modesto trabalho é uma homenagem a Irê dos Santos Cardoso que já não esta mais entre nós, porém tornou-se uma história lendária na nossa terra para ser sempre contada pela nossa gente.
Este modesto trabalho é uma homenagem a Irê dos Santos Cardoso que já não esta mais entre nós, porém tornou-se uma história lendária na nossa terra para ser sempre contada pela nossa gente.
Notas
e observações
Relatos
de Irê para este escriba e contador de histórias em julho de 2015. O feito ocorreu
em meados de setembro de 1983; O defeito no motor do barco era apenas
o cabo da bateria que tinha se rompido; Ondas de dez metros
correspondem a ventos de mais de 60km/h conforme escala de Beaufort
que quantifica os ventos. O jovem Osmar, após ser bem tratado pela família de nosso herói (banho, refeições e roupas) parte para sua terra, Laguna e nunca mais se ouviu falar nele. Irê dos Santos Cardoso foi homenageado na
Câmara Municipal de Porto Alegre no mesmo ano; O feito heróico foi noticiado no Jornal Zero Hora pela jornalista Margareth de Paula.
Colaboram com esta matéria: Aline Barrim Bianch e Adriano M. Teixeira _ Daka. Colaboração especial de Luiz Alberto Bach _ Gigio, que
foi cozinheiro em alto mar.
1 Publicado no livro Torres
História em Crônicas _ Volume 1 _ Idealizado por Paulo César Timm e Organizado por Débora Fernandezdez
Homem Seco da Igreja Matriz
Por
meu Deus, por Rei e por Castela foram palavras ditas por El Cid, o
mais leal dos homens e o mais nobre dos guerreiros que povoou a mente
infanto-juvenil deste escriba contador de histórias. Foi para sua
última batalha mumificado. Estava Morto. Seu nome correto: Rodrigo
Dias de Vivar. Uma lenda, é claro.
Rodrigues,
nome muito comum na região do Vale do Mampituba, segundo os
estudiosos quer dizer o filho de Rodrigo, portanto o filho da lenda
de um homem seco. E aqui em São Domingos das Torres nós temos um
filho da lenda que virou lenda, um filho de El Cid. Era um
simpatizante maragato que em uma madrugada foi feito prisioneiro
pelos homens do governo. Este fato aconteceu nos costões da Serra
Geral, no lugar denominado Barro Cortado. Era um velho doente e
acamado que tinha tomado como linimento um purgativo. Foi trazido
para a “Villa” com requintes de crueldades. Andou a pé por
trinta quilômetros com os punhos amarrados e atados por uma pequena
corda a cela do cavalo de um de seus algozes.
Quando
aqui chegou estava febril, desnutrido e desidratado, vivo por
milagre. Depois foi estaqueado e mais tarde degolado. Seu corpo fiou
insepulto para que as feras e as aves de rapina o devorassem. Era
para servir de escarmento.
Não
teve direito a um atestado de óbito e nem de corpo delito. Era
proibido. Foi chamado pelos inimigos políticos, com muita ironia, de
bandido. Porém para os parentes e amigos era uma vítima.
Contudo,
na calada da noite os parentes e amigos, sem velório, enterraram
aquele corpo enrolado em um couro de boi salgado e costurado. Foi
enterrado em uma cova rasa nas dunas da Praia da Cal, entre a lagoa
da “Villa” e a Torre Norte. Dunas que, naquela época, invadiam o
vilarejo e ameaçava soterra-lo. Vilarejo que era apenas uma pequena
rua.
Tempos
depois o travesso vento resolve descobrir o couro de boi com os
restos mortais do mártir. Os inimigos políticos, novamente com
muita ironia, disseram que a terra não o aceitou no seu ventre
porque era um homem muito ruim.
Mais
tarde, no imaginário popular, criou-se a ideia que o mar expulsou de
suas águas e o fogo não o aceitou em suas chamas e então aquela
corama foi parar na igreja matriz de São Domingos das Torres que o
aceitou. Um lugar merecido, segundo os parentes que o consideram um
santo. Nasceu a lenda.
Ele
teve muitos filhos com muitas mulheres e três deles fizeram uma
guerra local para vingar a morte do Pai.
Seu
nome José Rodrigues da Silva, neto do alferes povoador da “Villa”.
NÃO
DEIXEM A LENDA MORRER, ELA ENCANTA E ESPANTA.
1
Adaptação do livro O Vale do
Mampituba Capítulo XV
Não Enxerga, mas vê
II.
Lendas Vivas
GILMAR
O ELETRICISTA1
Não
Enxerga, Mas Vê
Gilmar
é eletricista de profissão e foi o melhor no seu tempo, no meio em
que vivia. Mas ele nasceu ou adquiriu, ainda no berço, uma
deficiência visual. O Gilmar não enxerga. Porém, ele não é
exatamente um cego. Ele vê, tem esta virtude. Vê com os olhos da
alma, porque tem uma alma pura, uma alma simples, porém superior.
Ele vê com o coração e com as hábeis mãos que executam com
alegria o trabalho dos simples. É uma lenda viva. E portanto o nome
dele deve ser lembrado por muito tempo neste terceiro milênio depois
de Cristo.
Mesmo
sem enxergar (hoje ele está aposentado, recebe benefício do INSS
pela deficiência visual e não trabalha mais). Gilmar vê com os
olhos da alma, porque tem uma alma pura, uma alma superior. Quero
deixar aqui a minha homenagem sincera a este grande amigo que é
gente da nossa terra e que, em um dia num futuro longínquo, será
lenda para a nossa gente, como aquele que mesmo sem o dom da visão
conseguia ver. O Gilmar não é cego, não tem culpa, não tem
pecado. É um forte e é bem diferente da grande maioria de nossos
administradores que são omissos e fracos. O Gilmar é um forte. É
uma lenda viva.
O Santo que Foi Escravo
O
Santo Preto de Torres1
O
“torriense”, Sebastião Serafim Coelho, nasceu escravo e era
filho da escrava Joaquina. Foi batizado por volta dos oito anos em
Torres em 26-01-1858. Não se sabe quando foi embora, nem em que
circunstâncias, e muito menos quando ficou livre. Morou em Porto
Alegre e Esteio e por último em Canoas onde mais tempo viveu.
Bastião, como era chamado, levava uma vida de santo. Era muito pobre
e trabalhava fazendo biscates. Não cobrava em dinheiro pelos seus
serviços, mas trocava por alimentos o seu modesto trabalho e só
pegava o necessário para ir levando a vida. Era um místico. Devoto
a Deus, muito querido e respeitado por todos. Aos domingos assistia
todas as missas e tomava comunhão mesmo sem ter pecados. Rezava a
Via-Sacra com profunda devoção. Durante a quaresma cumpria jejum
rigoroso e ia e voltava caminhando, com os pés descalços, até
Porto Alegre para participar da procissão da Nossa Senhora dos
Navegantes. Não aceitava caronas. Fazia penitências para pagar os
pecados que não tinha.
Em
Canoas o vigário da paróquia São Luís, padre José Leão
Hartimann, conseguiu uma casinha nos fundos da igreja. Aí viveu os
seus últimos longos anos. Morreu na Santa Casa de Misericórdia de
Porto Alegre em 04-05-1958 aos cento e cinco anos de idade (108?).
Sebastião foi sepultado no Cemitério Chácara Barreto, na cidade de
Canoas, segundo consta no livro: "Pequena História de Canoas",
de João Palma da Silva.
Sua
morte foi amplamente noticiada nos jornais de Porto Alegre.
Ele
viveu uma vida simples, um modelo para todo cristão. Sebastião,
hoje em Canoas, é tido como um Santo. Seu túmulo é venerado por
muitas pessoas que o cobrem de flores e velas. Dizem os devotos que
graças tem sido obtidas por intermédio desse Homem de Deus e até
curas ditas milagrosas.
Alguém
já falou em colocá-lo nos altares canonizados, para exemplo dos
cristãos, o que seria justo e oportuno disse Ruschel. Em Torres
quase nada se sabe da vida simples e religiosa desse humilde filho de
Deus. Como diz o dito popular: "Santo de casa não faz
milagres.”
MÃE
MARIA1
A
escrava que foi princesa
Nidanji,
filha
mais velha de
Yabá-Yeyê (Rainha Mãe), da nação Nagô, nasceu em 1825 na
África. Era uma princesa, e um dia iria
suceder sua mãe no reinado matriarcal
de sua pequena tribo, lá do outro lado do mar, no distante
continente negro. Porém, ela foi sequestrada, por outros negros,
vendida para traficantes brancos e separada de Yabá-Yeyê e de seu
futuro pequeno reino. No ano de 1847, quando estava com vinte e dois
anos, foi adquirida no mercado de escravos em Porto Alegre juntamente
com pai Vicente, com quarenta e cinco, e que se tornará seu esposo.
Tiveram filhos. Foi comprada pelo pastor, imigrante, Adolfo Voges,
líder espiritual e político da Colônia de Dom Pedro de Alcântara
de Três Forquilhas. Iyá Maria, como, também era chamada a princesa
da Nação Nagô, agora escrava, aprendeu a falar, ler e escrever
fluentemente o alemão e vivia entre alemães, na sua maioria,
semianalfabetos em
sua própria língua.
Mãe
Maria,
como
ficou conhecida, com o tempo tornou-se, também, fluente na língua
portuguesa e preservou sua língua nativa, o “yorubá” da Nação
Nagô, mantendo, assim, viva a cultura de sua tribo em uma terra
estrangeira. Tinha um terreiro dentro da propriedade do pastor, no
pátio do engenho, onde fazia os seus batuques, muitas vezes
frequentados pelos alemães. Foi uma espécie de curandeira e
sacerdotisa entre os escravos da região. Receitava chás e xaropes
que ela, mesmo, preparava, feitos de folhas, ervas ou raízes
medicinais. Fazia rezas e benzeduras e cuidava com carinho de todos
os doentes, pretos ou brancos. Preparava afrodisíacos feitos com
ovos de pássaros, mel de abelha e ervas do campo. Era, também,
excelente cozinheiras e doceira. Nidanji morreu em 1894 no Vale Três
Forquilhas aos sessenta e nove anos, vitimada por cólera que dizimou
a região.
Paulino
Pereira da Silva, filho de Eva, nasceu em 1853 e foi escravo até os
vinte e cinco anos. Em 1878 resolveu se casar e comprou sua
liberdade. Tornou-se carreteiro de profissão. No seu carro, de
juntas bovinas, viajava do Passo do Sertão
para
o norte até Araranguá e Laguna. Depois voltava em direção ao sul,
passava pela Villa das Torres até Tramandaí e depois Porto Alegre e
Viamão. Na ida levava principalmente cachaça, farinha de mandioca e
rapadura; na volta trazia fazendas, armarinhos, especiarias, peixe e
mariscos secos e encomendas diversas. Segundo a senhora Venina que o
conheceu, ficou rico. Tinha a melhor casa na localidade de Olhos
d'Agua, no Passo do Sertão, segundo distrito do Araranguá. Uma
enorme casa de tijolos, rebocada, forrada, assoalhada e caiada. Na
ampla sala, como ornato, tinha em uma das paredes uma canga com duas
cabeças de bois mumificadas. Quando morreu em 1935, aos oitenta e
dois anos, deixou bens a inventariar, mulher e sete filhos. Joanna
Cecília de Jesus, ex escrava, foi sua esposa.
LENDAS
MORTAS & LENDAS VIVAS DO VALE DO MAMPITUBA
Trata-se
de vultos que fazem parte da história da região e pessoas que ainda
vivem.
"A
História é construída de fatos; a lenda de fantasias. A lenda não
passa de ficção do espírito humano, com bases populares, e não
precisa ter compromissos com a verdade, porém nada nos impede
submetê-la a certa dose de crítica histórica, na procura da
fagulha que poderia ter causado a fumaça". RRRuschel
Ouvi
de um velho: “As lendas não devem morrer para que os velhos que
hão de vir possam continuar contando para os mais jovens e esses,
quando ficarem velhos, continuarem contando”: "E a terra o
expulsou do seu ventre...”
I.
Lendas Mortas
Candinho
Baiano1
Homem
Bom Taxado de Bandido
Eram
cinco soldados cearenses, que se achavam desertores da Guerra do
Paraguai e vieram parar no Vale do Três Forquilhas. Foram muito bem
recebidos pela sociedade local. O líder político da região
simpatizando com eles os apelida de baianos. Ali eles construíram
família e viveram mais de vinte anos naquela comunidade. Mas
infelizmente foram todos assassinados: um por motivo fútil e os
outros quatros num pós guerra por motivos políticos. Vingança de
guerra em tempos de paz.
Candinho
era o mais jovem, mais falador e o líder do grupo e tornou-se também
uma liderança local. Fica conhecido para a história como Candinho
Baiano, após sua morte virou lenda.
Iluminado
pela luz mortiça de uma pixirica, diz a lenda: “Lá no sertão do
distante e seco Ceará, quando a parteira levantou a criança nos
braços magros e fortes para dizer que era um menino, a velha e
enrugada feiticeira que acompanhava o ritual, colocou em seu pescoço,
amarrado por um barbante, um patuá e proferiu as seguintes palavras:
“Será um homem muito corajoso e valente e frente a frente ninguém
terá coragem de enfrentá-lo. Para vencê-lo (prender ou matar) só
se fizerem traição muito bem feita”. Depois, com o tempo, diziam
que o patuá o protegia da morte. Estava envolto por um escapulário
sebento. Mas a traição foi muito bem feita, pois, na Noite dos
Reis, um bando de assassinos se misturou com os homens das cantorias
e quando Candinho Baiano esticou o braço,
para
entregar a oferenda ao Menino, foi vilmente degolado. Agentes do
governo usaram o nome de Deus para matá-lo. Feriram o sagrado. Do
corpo estirado no chão, rapidamente tiraram o patuá para que
Candinho Baiano, realmente, permanecesse sem vida”.
Enquanto
seu corpo ficou esticado na terra sua alma de homem simples deve ter
subido ao céu com o Menino segurando sua mão, enquanto ascendia.
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