Bento Barcelos da Silva
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sábado, 5 de setembro de 2020
domingo, 26 de julho de 2020
BUGRES
Entre
os rios “Tramandy” e “Araringuá” havia uma região litorânea, muito antiga e com
um clima diferenciado. Era o território dos bugres. Um caminho milenar que eles
fizeram, andando e calcando a terra, ao caminhar. Este “caminho território” era
muito estreito e costeado a leste pelo mar e ao oeste por um imenso charco,
dunas gigantescas e uma enorme floresta. Havia também muitos lagos, quase
interligados como um imenso rosário que se confundiam com o charco e escoriam
para o mar. Dentro deste universo, no seu ponto médio, havia um sub território:
O Sítio de Itapebá _ um grande paraíso. Nele havia, ao sul, uma pedra chata.
Nesta região se situava o Campo Santo. A Pedra Chata era excelente lugar para
pousar e repousar. Havia caça, peixe, lenha e água boa. Ao norte havia o rio
“Mampitubá” que, naquela época, dava vau com facilidade e tinha abundância de
tainhas no outono-inverno, e de bagres na primavera-verão. Em um ponto médio,
entre a Pedra Chata e o rio Mampitubá, existia as torres, e entre elas as
pequenas praias que era parte do real caminho que os bugres trilhavam de norte
a sul e de sul a norte em busca do clima mais ameno. No inverno deviam ir para
o norte e no verão para o sul. No meio do caminho desse Grande
Paraíso, na Torre do Norte, havia o Pequeno Paraíso. Muito marisco, muito
peixe, muita lenha e vertentes de água boa em grande quantidade. Existia,
também, um pequeno lago natural de água doce muito próximo do mar. Entre o
Pequeno Lago e o mar e paralelo a eles tinha um serro que protegia esse paraíso
do ar úmido e salgado soprado, do oceano, pelos ventos dominantes. Ao sudoeste
uma mata que continha as dunas ali acumuladas há séculos, talvez milênios e
dava proteção, no inverno, do friento minuano. Neste local é onde
deviam ficar mais tempo porque era lugar onde havia proteção contra os ventos
dominantes, úmidos e salgados soprados do oceano, e ainda melhor que a Pedra
Chata para pousar e repousar. Este lugar dentro da região “paradisíaca” era
realmente o Pequeno Paraíso. Aqui eles ficavam mais tempo e neste lugar era
onde amavam muito e amavam de verdade. Porém, um dia, seres brancos, barbudos e
fedorentos, chegaram e, em nome de seu rei e seu deus assassinado por eles
mesmos, os destruíram para sempre. Os bugres deixaram apenas seus rastros
através de seus sambaquis e seus mortos que, agora, infelizmente também já
desapareceram. E assim para os bugres terminaram os caminhos e os dias. A
partir de então este território litorâneo e milenar, por muito tempo, passou a
ser uma terra sem dono, uma terra de ninguém. Uma terra Lendária.
Adaptado do Livro: Vale
do Mampituba __ Bento Barcelos da Silva
O FORTIM DAS TORRES
O FORTIM
DAS TORRES
No ano
de 1777, no sítio de “Itapebá (Itapeva), nasceu, nos meados da Torre Norte, um
frágil forte. Os portugueses o construíram aos vinte metros de altitude e
voltado para o mar. Era feito de faxinas, terra batida e leivas de grama em
torno de uma vala. A região, naqueles tempos, fazia parte das “Terras de
Ninguém” (os bugres já não existiam mais). Nos arredores tudo era muito úmido,
insalubre e habitado por feras e mosquitos. Ao sul existia uma pedra chata que
se alongava por entre dunas e matas, e vinha se banhar no oceano. Ao norte tinha o rio com suas muitas curvas que vagaroso corria
para o mar. Lá longe no oeste serpenteava a serra, chata e azul. Ao leste o mar
soberano que, lá muito distante, tocava no céu. Depois, para o norte e para o
sul, praias desertas e sem fim açoitadas pelos ventos e pelos urros das ondas. A redondeza era formada por dunas enormes, um
charco imenso que continha e se confundia com
o pequeno lago que conhecemos hoje (lagoa das torres). Este lago, naquele
tempo, era muito maior e tangenciava os meados da Torre Norte pela sua face
oeste e, a leste, a Torre Norte tangenciava com o mar. Entre o charco e as
dunas havia uma floresta que os separava. O fortim foi construído para combater
um inimigo que devia vir do norte, porém, nunca veio: os espanhóis. Eles tinham
ocupado a freguesia de Nossa Senhora do Desterro na ilha de Santa Catarina. São
Diogo foi o nome dado ao fortim. Na verdade era, apenas, uma grande trincheira.
Chegou a possuir quatro canhões, porém foi ocupado por pouco tempo e depois
abandonado. Como era muito frágil, rapidamente se transformou em ruínas. Em
1797 foi reconstruído e comandado por um tenente sem nome para a história.
Estava equipado com dois canhões. Novamente foi rapidamente abandonado e outra
vez virou pó. Em 1801, quando o alferes pioneiro da “Villa” por aqui aportou,
talvez tentasse, outra vez, reconstruí-lo, mas as informações são muito vagas.
Depois em 1809 novamente foi reconstruído por ordens do agora presidente da
província de São Pedro do Rio Grande com a tentativa de fundar um núcleo urbano
com índios e prisioneiros. Porém esta tentativa não deu certo e o fortim, outra
vez, decaiu. Na segunda década do século dezenove, com a chegada do nosso
primeiro administrador, ele é novamente reconstruído e apelidado de Baluarte
Ipiranga. Estava equipado com dois enormes canhões que apontavam para o mar.
Nesse período a Capela estava em construção. Entre a capela e o fortim passava
uma trilha milenar, o antigo e verdadeiro caminho dos bugres. O fortim durou
até o período da Guerra dos Farrapos e depois pela última vez. Do pó ele veio e para o pó retornou. Virou
Lenda.
PRAGA DO PADRE E PORTO DAS TORRES
PRAGA DO PADRE E PORTO DAS TORRES
Durante
o primeiro império surgiu no “Sítio das Torres”
uma ideia portuária porque aqui era o melhor e
mais estratégico lugar no país para construção de um grande porto marítimo.
Mas, felizmente, para proteção das nossas belezas naturais, tal ideia não
vingou. Depois, no segundo império, esta ideia voltou forte, com projeto e
estudo das marés, porém, felizmente, outra vez, o porto da “Capela de São
Domingos das Torres” também não vingou. Mais tarde, na república, que já nasceu
velha, a ideia, de novo, tomou corpo e forma, com novo projeto, levantamento
topográfico e estudos de profundidade da costa litorânea. Houve até o início
das obras de um porto auxiliar na praia da Guarita. Contudo, o porto da
“freguesia de São Domingos das Torres”, mais uma vez, não vingou. Na Nova
República, com muita discussão política e promessas de desenvolvimento para a
região, a ideia do porto marítimo para a “Villa das Torres” evoluiu muito,
todavia, depois, mais uma vez morreu. Tio Sam e a Rainha o levaram para Rio
Grande. Lugar impróprio para um porto marítimo e eles sabiam disso. Na segunda
década do século passado tinha na “Villa das Torres” um pároco que estava
afrente do seu tempo. Costumava, ele, nas horas
vagas, frequentar um terreiro onde os pobres nativos faziam seus batuques. Por
este motivo a “dita elite economicamente dominante e conservadora” não
concordou com essa atitude do padre e reclamou para o bispo. Falam por aí que o
bispo determinou para castigarem o padre com uma “tunda de laço” e acrescentou: Depois eu mando outro padre para vocês. O
pároco foi expulso da paróquia. Todavia, ao ir embora teria dito: “Nunca vi, em
todo o mundo, uma classe dominante tão atrasada”. Com o passar do tempo o
folclore modificou as palavras do padre que ficou assim: Torres tu és
(atrasada) e de Torres não passarás, e o porto não há de sair. Esse dizeres
ficou conhecido como a Praga do Padre. E o padre, quando foi embora, não se
benzeu, mas disse apenas: Saravá! Diz o dito popular que praga de padre dura
cem anos. E a voz do povo (Vox Populi) é a
palavra de Deus, portanto, a verdade. Contudo os cem
anos estão passando e em breve a praga estará com sua validade vencida. Talvez
por isso, como uma maldição surgida do fundo do mar, a ideia do porto da cidade
de Torres voltou. Temos, de novo e urgente, que chamar um padre, mas não um
padreco qualquer, moderno e metido a namorador, porém um padre à moda antiga.
Um verdadeiro capa preta que esteja à frente do seu tempo e seja um macumbeiro
de verdade para que o porto das Torres vire uma Lenda. Saravá, Meu Pai!
Adaptado do Livro: Torres História em Crônicas
__ Bento Barcelos da Silva
A ESCRAVA QUE FOI PRINCESA
A QUE FOI PRICESA
Nydangy nasceu na África
em 1825. Era uma princesa negra, filha mais
velha de Yabá-Yeyê e ia suceder sua mãe no reinado matriarcal de sua pequena
tribo da grande nação Nagô. Porém, ela foi
sequestrada por outros negros e vendida para traficantes brancos. Ficou
separada da rainha, sua mãe e de seu futuro pequeno reino. Veio parar no
mercado de escravos da grande Porto Alegre. No ano de 1847, quando estava com
vinte e dois anos, tornou-se propriedade do pastor imigrante alemão Adolfo
Leopoldo Voges, líder político e espiritual da colônia protestante dos Três
Forquilhas. Com seus senhores aprendeu o idioma alemão fluentemente e depois
junto com eles o português. Lia, falava e escrevia corretamente nesses dois
idiomas. Conservou ainda o yorubá, sua língua nativa, mantendo assim viva a
cultura da sua gente em uma terra estrangeira. Tinha um terreiro, no pátio do
engenho do pastor, onde fazia seus batuques frequentado por negros e brancos.
Foi parteira, curandeira e uma espécie de sacerdotisa. Fazia também rezas e
benzeduras, e cuidava com carinho de todos os doentes, pretos ou brancos.
Receitava chás e xaropes que ela mesma preparava com folhas e flores
silvestres. Fabricava afrodisíacos feitos com ovos de pássaro, mel de abelha e
raízes medicinais. Era também excelente cozinheira e doceira. Ficou conhecida
como Iyá Maria e Mãe Maria. Nydangy morreu em 1894 no Vale Três Forquilhas, aos
sessenta e nove anos, vitimada por cólera que dizimou a região. A escrava que
foi princesa viveu na nossa terra e agora é Lenda para nossa gente.
Adaptado do Livro: Vale do Mampituba __ Bento Barcelos da Silva
AS PUTAS DE TAQUAREMBÓ
AS PUTAS DE TAQUAREMBÓ
Na virada da segunda para terceira década do
século dezenove, chega ao distrito das Torres uma leva de índios guaranis
prisioneiros de guerras e também alguns presos sentenciados. “As mulheres, como
disse o poeta, traziam filhos e algemas nos braços e na alma lágrimas e fel”.
Os homens vieram para construir a Capela, o fortim e estradas pelo interior.
Alguns deles foram feitos soldados das Milícias Sertanejas com a finalidade de
caçar os bugres. A maioria, no entanto, continuou prisioneiros. Saint-Hilaire,
o naturalista francês, que os encontrou pelo caminho, quando por aqui passou, em
direção ao sul, disse: “As mulheres são feias e desavergonhadas”. Se este
escriba bem entendeu, eram mulheres sofridas e que tinham em oferta as suas
vergonhas. Eram as chinas, as putas de Taquarembó. Mas porquê
Taquarembó e porquê foram consideradas chinas? Taquarembó era um rio no
atual Uruguai, nas margens do qual elas foram feitas prisioneiras, e putas por
tanto terem sido estupradas pelos ditos cristãos. O grande observador da
natureza viu que elas traziam filhos e algemas nos braços, mas não prestou
atenção que essas mulheres também podiam chorar. Elas vieram para se casar com
os milicianos e presidiários na tentativa das autoridades de formar um núcleo
urbano no Sítio das Torres. Essa tentativa, porém, não deu certo, porque para
os filhos da terra, não tinha terra. A região naquele tempo já era um
verdadeiro latifúndio e os milicianos na maioria desertaram e os prisioneiros,
ou fugiram, ou morreram na tentativa de fuga. Como consequência as bugras não
casaram. Para elas, portanto, só restou “putiar”. Nossas primeiras mães,
segundo RRRuschel. Agora elas são da nossa terra Lenda para nossa gente
Antônio
Frederico de Castro Alves _ Navio Negreiro
Caingangues e os estrangeiros
CAINGANGUES E OS ESTRANGEIROS
Eu sou o índio Manoel dos Santos _
“Índio Guarani Missioneiro” _ e vou contar o que sei: Quando os primeiros
imigrantes alemães protestantes chegaram ao Vale dos Três Forquilhas_,
"Uma choupana estava lá com aparência vistosa". Era o Templo Sagrado.
Havia outras cabanas. Foram construídas pelos índios caingangues, vindos da
aldeia dos Três Pinheiros e requisitados para esta tarefa de apoio aos colonos.
Assim nasceu a colônia dos alemães protestantes de São Pedro de Alcântara dos
Três Forquilhas no Presídio das Torres. "Foi o índio guarani missioneiro
Estebam dos Santos que conseguiu reunir quase duas dezenas de índios
caingangues liderados pelo cacique Aivoporã". No começo, os selvagens, um
povo dócil são uma força de apoio muito grande. Estebam “Missioneiro” era amigo
do cacique Aivoporã. Eles se conheceram bem antes da chegada dos estrangeiros.
Eu sou filho de Estebam “Missioneiro”. Meu pai foi prisioneiro de guerra e veio
para o Sítio das Torres com outros prisioneiros para construir o Baluarte
Ipiranga e a Capela. Ele e os outros prisioneiros de guerra falavam o guarani e
o espanhol, e depois aprenderam o português. Eu também conheci Aivoporã _
Cacique dos Caingangues. Naquele tempo eu era guri pequeno. Eles, os
caingangues, sempre moraram aqui e dominavam todo esse vale _ Vale dos Três Pinheiros.
Os colonos chegaram depois, muito tempo depois. Foi Estebam “Missioneiro”, meu
pai, que recebeu a tarefa do coronel de buscar o cacique e seus guerreiros para
ajudar os alemães a construir suas choupanas. E eles, os caingangues,
construíram a “Choupana Templo” e outas mais para os estrangeiros, e também
permitiram a divisão de suas terras. Porém, agora não existe mais bugres em
Três Pinheiros. Eles lá moraram até o ano de 1847 e eram índios caingangues. Os
bugres ficaram cruzando pelos fundos das propriedades dos Alemães. _ As
mulheres com os filhos pendurados nas tetas e as vergonhas à mostra; os homens
com arco, flechas e até facões, e os “balangandãs” balançando ingenuamente. Ali
sempre fora o caminho deles. Porém, agora, os alemães começaram a criar
obstáculos. Não queriam que os gentios passassem por suas propriedades. Surgiu
um mal-estar. Tinham medo. Os imigrantes vendo os índios andando nus, dentro de
suas propriedades, não saiam mais de casa sem levar uma espingarda a tiracolo.
Sentindo-se ameaçados só restou para os gentios se mudarem para mais longe e
foram subindo a serra. Um dia um sesmeiro luso brasileiro com um papel na mão,
uma bíblia debaixo do braço, muitos capangas fortemente armados e cães bravios,
veio para tomar posse da terra dos caingangues, a aldeia dos Três Pinheiros.
Fez uma chacina no local onde morreram o cacique Aivoporã e muitos dos seus
valentes guerreiros. Seus corpos foram jogados em um perau. Os que sobraram
continuaram subindo a serra, indo morar cada vez mais longe e mais no alto. Um
dia desapareceram para sempre. Foram em direção aos felizes campos de caça, na
Terra dos Espíritos. Eu casei com Madalena Menger e aprendi o alemão e contei
esta história para ser uma Lenda.
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